terça-feira, 26 de janeiro de 2010

RECORTES DE IMPRENSA #108 – Carlos Pessoa (Público) A MORTE DE PIERRE COUPERIE E Pedro Cleto (Jornal de Notícias) Quick e Flupke nasceram há 80 anos

Um texto de Carlos Pessoa no Público de 25 de Janeiro sobre a morte de Pierre Couperie o primeiro europeu que estudou a bd a sério, precursor de alguns outros historiadores de nomeada na BD europeia como Thierry Groensteen, Benoît Peeters, Alfredo Castelli, Leonardo de Sá ou Michel Kempenners, com depoimentos de Leonardo De Sá. Depois um texto de Pedro Cleto sobre os 80 anos de Quick e Flupke, personagens menos conhecidas de Hergé…


Público - P2 • Segunda-feira 25 Janeiro 2010

1930-2009
PIERRE COUPERIE
O PRIMEIRO EUROPEU QUE ESTUDOU A BD A SÉRIO


Carlos Pessoa

Teve um papel determinante no reconhecimento dos quadradinhos na segunda metade do século XX. O rigor e a seriedade na investigação, que eram as suas marcas de água, fizeram escola. Morreu sozinho, em Paris

Discreto na vida, discreto na morte. Pierre Couperie, um dos grandes pioneiros europeus na investigação e divulgação da banda desenhada, morreu sozinho, na sua casa parisiense, no dia 24 de Dezembro de 2009. O corpo só foi encontrado a 5 de Janeiro por alguns amigos próximos, que estranharam o seu silêncio.

Na segunda metade do século XX, Couperie teve um papel determinante na afirmação da banda desenhada como uma arte maior. Mas há bastante tempo que não se falava dele e o facto de ser avesso à exposição pública favoreceu esse apagamento. No próprio meio da BD são poucos os que o conheceram. O investigador Dominique Petitfaux é um deles, tendo-lhe feito uma das raras entrevistas de que há memória.

“Ainda assisti a algumas sessões do seu seminário na Escola de Altos Estudos...”, recorda ao P2. “Pierre Couperie era muito reservado e há muito tempo que quase ninguém sabia nada dele.

Não era pessoa para aparecer muito, sobretudo se pudesse evitar fazê-lo”, acrescenta o estudioso da BD portuguesa Leonardo de Sá.

Os dados biográficos disponíveis são escassos. Sabe-se que nasceu em Montauban (França) em 1930.

Era historiador de formação e foi chefe de equipa do Centro de Investigação Histórica da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. No currículo de Pierre Couperie conta-se a vice-presidência do Clube das Bandas Desenhadas – o primeiro na Europa –, fundado em Março de 1962 pelo desenhador Jean-Claude Forest (Barbarella), o cineasta Alain Resnais e o crítico Francis Lacassin. Esta estrutura foi responsável pela publicação, em Julho do mesmo ano, de Giff -Wiff , o primeiro fanzine francês e europeu de banda desenhada. Desempenha as mesmas funções na Sociedade Civil de Estudos e Investigações das Literaturas Desenhadas (Socerlid), criada em Novembro de 1964 com Claude Moliterni, Édouard François, Maurice Horn e Proto Destefanis.

Pierre Couperie participa na concepção e realização de todas as exposições promovidas pela Socerlid, e em particular da famosa exposição Banda Desenhada e Figuração Narrativa, aberta em 1967 no Museu das Artes Decorativas de Paris. A maioria dos textos do catálogo, hoje uma peça bibliográfica de grande importância, são da sua autoria.

Nesse ano, Vasco Granja está em França para participar no Festival de Annecy (cinema de animação). Desloca-se a Paris e visita a exposição. O que ali vê deixa-o vivamente impressionado. “Foi a experiência que reconduziu Granja para a BD e a respectiva divulgação nos jornais portugueses”, nota Leonardo de Sá.

A partir de Outubro de 1966, Pierre Couperie assina regularmente textos na revista Phénix, criada nesse ano e com saída regular até finais da década seguinte. Devem-se-lhe igualmente contributos fundamentais na edição e enquadramento das primeiras bandas desenhadas americanas publicadas em França – caso de Little Nemo, Flash Gordon ou Príncipe Valente. No campo da edição, deixa o nome associado à Enciclopédia da Banda Desenhada (1974-75), a primeira a ser publicada na Europa, da qual sairão apenas dois volumes.

Pierre Couperie está presente na organização da primeira Convenção Europeia da Banda Desenhada, em 1969, e faz parte do núcleo que iria assegurar a realização, a partir da terceira edição, do mítico Festival de Lucca (Itália). É também um dos impulsionadores do actual Festival Internacional de Angoulême.

Todos os especialistas ouvidos pelo P2 são unânimes em assinalar a importância do trabalho de Couperie. “Foi o primeiro a demonstrar que se podia estudar a BD tão seriamente como qualquer outra forma de expressão”, diz Petitfaux. “A sua grande força terá consistido em estabelecer pontes entre diferentes domínios, da história de arte ao cinema, da fotografia às disciplinas científicas”, acrescenta Patrick Gaumer, especialista em banda desenhada e autor do Larousse de la BD. Jean-Pierre Mercier, conselheiro científico do Museu da BD de Angoulême, realça o facto de Couperie ter sido “o primeiro a fazer pesquisas na história da banda desenhada francesa numa perspectiva que consistia em inscrever as obras estudadas no contexto da época”. Lembra ainda que Couperie foi, durante muito tempo, o único académico a ensinar BD no seio da Universidade francesa.

Seriedade, rigor e fiabilidade eram as marcas de água de Couperie. “Escreveu numerosos artigos que chamavam a atenção pela sua precisão e pelo elo que estabeleciam com o contexto político”, realça o crítico Gilles Ratier, secretário-geral da Associação de Críticos e Jornalistas de BD. Yves Frémion, membro do colectivo Papiers Nickelés, dedicado à divulgação das artes de imagem populares, destaca que “ele era o primeiro a ser sério no seu trabalho, com todas as informações verificadas, uma visão clara e argumentos sólidos e inteligentes”. Leonardo de Sá, por seu lado, limita-se a citar uma frase do próprio Couperie: “Toda a informação fornecida por uma agência, um editor, um jornal ou um autor deve ser considerada falsa até à sua verificação. Nove em cada dez vezes apercebemo-nos que era efectivamente falsa...”

Quem são os herdeiros?

Pioneiro no estudo e divulgação da banda desenhada, Pierre Couperie deixa uma escola moldada no seu espírito e método? “Os seus herdeiros são os que associam um verdadeiro conhecimento da BD com a utilização de informações verificadas, sem se esquecerem ao mesmo tempo de ter um ponto de vista pessoal e fundamentado. Ou seja, há poucos herdeiros!”, responde Frémion. Cita as revistas Collectionneur de Bandes Déssinées (de Petitfaux), com publicação suspensa, e Hop! (de Louis Cance), a par dos “jovens historiadores” Patrick Gaumer e Gilles Ratier, e reivindica para o colectivo de Papiers Nickelés essa mesma aspiração de “fiabilidade”. Patrick Gaumer admite que Couperie faz parte daquelas pessoas que, um dia, lhe deram vontade de “estudar seriamente a banda desenhada”. Acha que ele “descomplexou muitos universitários e investigadores, ensinando-lhes a verificar sempre as suas fontes de informação”.

Entre os “herdeiros” de Couperie inclui especialistas como Thierry Groensteen, Benoît Peeters, Alfredo Castelli, Leonardo de Sá ou Michel Kempenners. Leonardo de Sá, em contrapartida, considera que “é muito difícil falar numa filiação”:

“Há uma série de estudiosos que têm uma preocupação historicista – é um dos grandes eixos, ainda hoje – e de cruzamento com outras áreas e géneros. Há uns que o fazem com mais rigor que outros – pode dizer-se que esses são os herdeiros de Couperie”.

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“Jornal de Notícias” de 23/01/2010.

QUICK E FLUPKE NASCERAM HÁ 80 ANOS

Se é normal associarmos o nome de Hergé a Tintin, a sua obra maior e uma das bandas desenhadas mais celebradas de sempre, o autor criou outros heróis, entre os quais Quick e Flupke, que há exactamente 80 anos eram vistos pela primeira vez em papel impresso.

Tratava-se de dois pequenotes de Bruxelas - revisão ficcionada da própria infância de Hergé - juntos pela amizade, pela vontade de experimentar coisas novas e pela especial queda para provocar pequenos desastres.

A estreia ocorreu no "Le petit vingtiéme" de 23 de Janeiro de 1930, pouco mais de um ano depois de Tintin, e as diferenças entre as duas criações eram significativas. Enquanto o repórter viria a ter longas aventuras, viagens, exotismo, justiça e ordem, Quick e Flupke não saíam da sua Bruxelas natal e viviam um quotidiano igual ao dos outros miúdos, mas as suas partidas provocavam o caos e desesperavam o Guarda 15, vítima recorrente das diabruras em duas pranchas.

O humor em Quick e Flupke, mais tarde decalcado em Tintin para os "gags" com Haddock ou Tournesol, raia muitas vezes o "nonsense", pode ter conteúdos sociais ou politizados (como quando satirizam Hitler e Mussolini), representa-os como diabos (literalmente) e levava-os mesmo a chocar com os limites físicos das vinhetas ou a interagir com o desenhador. E se o traço é o mesmo de Tintin, sente-se uma maior liberdade criativa e o privilegiar da eficácia estética e narrativa.

Com cerca de 250 pranchas publicadas (de forma irregular) durante uma década, Quick e Flupke tiveram nova vida nos anos 80, em versão animada e em álbuns redesenhados e coloridos pelos Estúdios Hergé, a partir das histórias originais.
Esta edição foi lançada em Portugal pela Verbo, com os heróis rebaptizados como Quim e Filipe.

F.CLETO E PINA

Imagens da responsabilidade do Kuentro.

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