segunda-feira, 5 de julho de 2010

BDpress #137: MORREU VICTOR DE LA FUENTE (1927-2010) in texwillerblog.com

Victor de la Fuente (1927/2010)

Um dos maiores desenhadores ibéricos, nascido nas Astúrias (portanto asturiano, embora a maioria dos portugueses continue a ignorar as nacionalidades, agregadas e amassadas no estado bourbónico-castelhano de Madrid) em 1927, Victor de la Fuente faleceu na sexta-feira, 2 de Julho, após prolongada doença.

Aqui fica, com a devida vénia, a matéria publicada por José Carlos Francisco no texwillerblog.com a este propósito, devido ao facto de De la Fuente ter sido também desenhador de Tex. No texto de Zé Carlos faltam referir os álbuns do autor publicados em Portugal: dois volumes de Mathai-Dor, pela Agência Portuguesa de Revistas, os três volumes de Os Anjos de Aço, com argumento de Victor Mora e O Guerreiro do Arco-Íris (Francis Falko), com argumento de François Corteggiani, edições da Meribérica. Isto além de outras histórias, como Sunday, Trelawney, Haxtur em revistas da Agência Portuguesa de Revistas.

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 texwillerblog.com Julho 4, 2010


Por José Carlos Francisco

O conceituado desenhador espanhol Victor de la Fuente (considerado por muitos como um dos melhores de todos os tempos a nível mundial) morreu sexta-feira passada, dia 2, aos 83 anos na localidade francesa de Le Mesnil Saint Denis, onde residia há quase 4 décadas, depois de largos anos de doença, conforme relatado pela Federación de Instituciones Profesionales del Cómic (Ficomic), organizadora do Salón del Cómic de Barcelona.

Da sua carreira profissional destacam-se trabalhos como “Los Gringos“, “La siberiana” e “Los Ángeles de acero“, além de ter realizado adaptações em quadradinhos da história da França e de conhecidas obras literárias.

Em 2006 recebeu o Gran Premio del Salón Internacional del Cómic de Barcelona, como reconhecimento de uma longa carreira artística. Também recebeu uma última e inesperada homenagem com a edição “Diario de guerra: Víctor de la Fuente“, um livro que recupera quatro histórias inéditas do mestre de traços profundos que também foi um dos grandes mestres que trabalharam em Tex, sendo inclusive o primeiro estrangeiro a ter essa honra.



“Um grande de Espanha“. Foram estas as palavras com que Sergio Bonelli saudava a chegada do primeiro desenhador não nascido na Itália, que ilustrava um dos seus álbuns especiais de Tex, e que não era outro senão Víctor de la Fuente. E o certo é que vista a sua trajectória profissional, a eleição de Víctor era seguramente a mais lógica que se podia esperar.

Pedro Víctor de la Fuente Sánchez nasceu em 1927 na localidade asturiana de Ardisana de Llanes; irmão mais velho dos também desenhadores Ramón e José Luís – conhecido por Chiqui – começa muito jovem o seu trabalho no mundo da banda desenhada entrando nos anos 40 no estúdio de Adolfo López Rubio. Em vez de se estabelecer na profissão, começa um périplo por países como Cuba, Chile e Argentina, onde alterna o seu trabalho no campo da banda desenhada com o da publicidade. Nos anos 60 regressa a Espanha e começa a trabalhar realizando histórias para mercados estrangeiros e através de agências. É então quando conhece Víctor Mora e com ele cria Sunday, a sua primeira obra de autoria reconhecida e com a qual começa a adquirir a notoriedade que a qualidade do seu trabalho merecia. Sunday, western com certo tom crepuscular que mais tarde continuaria o seu irmão Ramón, é o arranque da relação de De la Fuente com um género que domina na perfeição. A publicação em 1970 da revista Trinca por parte de uma editora dependente do Ministério da Informação permite a Víctor a criação da sua primeira obra como autor completo, Haxtur, história com aspecto de fantasia heróica, mas com um argumento críptico e uma simbologia no seu interior, que surpreendentemente consegue, no seu início, enganar a censura da época.


Haxtur, trouxe para o seu autor o início de uma série de problemas com as autoridades espanholas que fizeram com que ele mudasse o seu domicílio para França. Afortunadamente nem tudo foram problemas e Haxtur conseguiu também que Víctor de la Fuente se convertesse num dos autores mundiais que maior atenção recebia por parte dos seus companheiros de profissão, graças sobretudo ao seu domínio do desenho, sua capacidade para dar forma ao movimento, sua habilidade narrativa – onde dava uma lição sobre como utilizar os distintos tipos de planos – e a sua espectacular montagem – com a qual conseguia explorar a dimensão vertical da página, algo que praticamente só era explorado por Joe Kubert e por ele.


Uma vez, estabelecido em França, De La Fuente começa a criar uma série de obras que o mantêm em plano de evidência nas décadas seguintes; ao princípio com séries de guião próprio como Mathai-Dor – que havia ficado incompleta em Trinca – Amargo – nova aproximação ao género western – e Haggarth – continuação da linha de fantasia heróica com conteúdo que havia iniciado com Haxtur.

Haggarth

Víctor Mora volta a cruzar-se no seu caminho e assim as suas colaborações prosseguem. Los Angeles de Acero e Le Sibereiane, centram boa parte do trabalho de Víctor de la Fuente durante os anos oitenta. Pouco antes, em 1979, havia começado a série Los Gringos com a qual volta ao género western e na qual colabora com o argumentista francês Jean-Michel Charlier até ao falecimento deste, dez anos mais tarde.


Los Angeles de Acero (Os Anjos de Aço)

Fiamme sull’Arizona, é o título que leva o quinto Texone, editado em Junho de 1992. Como todos os trabalhos de Víctor de la Fuente em Tex, apresenta um argumento de Claudio Nizzi, em que Tex e Carson devem tentar por todos os meios ao seu alcance, evitar uma guerra com os Apaches. Sergio Bonelli explica-nos na introdução do álbum que para a ocasião, Nizzi construiu um argumento com apaches, mexicanos e deserto tentando adaptar-se às qualidades do desenhador espanhol. Parâmetros muito similares são os que parecem ter guiado o argumentista na segunda história escrita para De la Fuente, La caravana della paura editada no Almanacco del West de 1995. Neste caso, Tex e Carson incorporam-se numa caravana que se vê assediada por um guerreiro apache que se dedica a caçar alguns dos seus membros numa missão de vingança onde nem tudo é como parece ao princípio. Trata-se de uma das melhores histórias escritas por Nizzi para Tex, sobretudo porque o seu trabalho melhora com o diminuir de páginas que dispõe, evitando a proliferação de tempos mortos. Ademais apresenta-nos um argumento em que as personagens possuem uma profundidade sobre o ponto de vista moral, afastado das típicas histórias de bons e maus.


Víctor acaba incorporando-se no staff de desenhadores da série regular. O seu primeiro trabalho na série mensal Springfield Calibro 58, uma história em duas partes que começa na edição 441. Carson e Tex devem investigar o tráfico de armas que está a ocorrer com grupos Comanches, a quem estão a chegar armas procedentes de arsenais perdidos do exército confederado. A seguinte saga ilustrada por De la Fuente, é uma excepção, ao desenrolar-se em cenários urbanos, aos quais o desenhador adapta-se sem nenhum problema. Os números 456 e 457 trazem Al di Sopra della Legge, história desenrolada em San Francisco, local onde Tex e Carson deslocaram-se em auxílio da polícia local para desarticular uma sinistra organização que se dedica a impor a sua própria lei.

A relação entre Tex e Víctor de la Fuente, conclui-se com a história que traz por título La Colina della Morte, com os números 471 e 472, editados nos primeiros meses do ano 2000. O argumento gira em torno das acções do duo protagonista para desmascarar uma trama de agentes para assuntos índios corruptos. Tex e Carson deverão inclusive deslocar-se a Washington acompanhando Joselito e outros chefes apaches.

Tanto esta história como as anteriores mantém os parâmetros habituais dos argumentos de Nizzi. Víctor desenha sem problemas as largas sequências dialogadas que povoam os tempos intermédios da narração que o argumentista tanto aprecia. Como Nizzi escreveu para o asturiano histórias desenroladas em exteriores, De la Fuente resolveu todas essas sequências povoadas de diálogos mediante o seu incrível talento para desenhar personagens a cavalo: Víctor era capaz de desenhar centenas de vinhetas com Tex e Carson falando enquanto cavalgam sem repetir uma só vez o ângulo em que se visualiza a vinheta.

A esse nível haveria de deixar a principal contribuição do trabalho de Víctor de la Fuente em Tex; o estilo. Cada uma das suas páginas serve-nos para constatar o talento inato que possuía para o desenho de séries do oeste. Víctor em Tex continuou sendo um Mestre, conseguindo que nos deixássemos envolver por umas paisagens que, pese a economia de recursos que utilizava para desenhá-las, reconhecemos como se tivéssemos vivido sempre ali. O que ele desenhava, nós podemos tocar com as mãos, é real. Por tudo isso há, sem dúvida, muito do seu trabalho em Tex.

Texto de José Carlos Francisco, baseado no livro-catálogo “Tex Habla Español”.


Em pé (da esquerda para a direita): Suso Peña, Adolfo Usero, Esteban Maroto, Víctor de la Fuente
e Luis García. Sentados: Carlos Giménez e Pilar.
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