segunda-feira, 18 de junho de 2012

JOBAT NO LOULETANO – 9ª ARTE – MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA (L e LI) – CARLOS ALBERTO E O MUNDO DA BD – ESBOÇOS DE MEMÓRIA 5 e 6 – Por José Batista




9ª ARTE
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
(L - LI)

O Louletano, 15 a 21 de Março 2005 

CARLOS ALBERTO E O MUNDO DA BD 
Esboços de memória – 5 
por José Batista 

A banda desenhada, mais do que a pintura, exige um esforço visual contínuo, provocando, não raro, problemas que obrigam a uma vigilância médica aturada como prevenção de graves anoma­lias que, nalguns casos chegam a incapacitar o próprio artista. Dotado de uma vista frágil, essa terá sido também, outra das razões que induziriam Carlos Alberto (C A) a redireccionar a sua apetência artística para a área da pintura.

Sempre o conheci de óculos, não apenas enquanto desenhava, o que atesta que a natureza lhe não foi pródiga no que concerne aos delicados órgãos da visão, o que de modo algum beliscou a sua capacidade, estilo e nível artísticos. Embora fosse na área da BD que CA iniciou a sua caireira, desde cedo ex­pressou que essa não seria a via artística em que se sentia realizado; que não era de modo algum um homem da ilustração a preto e branco, mas sim da pintura. Dada a qualidade atingida – não sen­do a BD a sua área prioritária – interrogamo-nos, se o fos­se, a que culminância não teria chegado o nível da sua produção nesse campo.

Colega de muitos anos na mesma editora e secção, (na qual chegaram a estar nove

elementos, no final dos anos 60) assisti à natural evolução artística de CA, e, bem assim, das vincadas peculiaridades como ser huma­no. Dotado de apurada capacidade de análise psicológica –, pese embora o meio simples que lhe fora berço, era e é de um humanis­mo a toda a prova. Tímido e introvertido, desconhecia o valor do seu próprio trabalho, o que levou a que a Agência Portuguesa de Revis­tas, nas muitas reedições de originais seus o não ressarcisse como seria sua obrigação, sendo o caso mais flagrante as inúmeras edições da "História de Portugal".

Ressalta no convívio com Carlos Alberto uma vasta e diversi­ficada cultura, adquirida num perquirir constante ao longo da vida. Foi por seu intermédio – melómano por excelência – que além da área do desenho, descobri as minudências sonoras, em ritmo e me­lodia, da música clássica da qual é profundo conhecedor. Admira­dor de Roussado Pinto desde longa data, conheci-o através de CA, colaborando a partir daí no "Jornal do Cuto" desde o início da publicação, no "Caminho de um Velho" e, mais assiduamente de­pois, como chefe de redacção a partir do nº 99. Remontando ao início dos nossos pri­meiros con­tactos 1955 – recordo de, face à assi­natura que CA apunha nos seus ori­ginais, o ("C. Alberto" manuscrito que sempre utilizara até à "Ousadia Triunfante"), lhe ter sugerido que a fizesse em maiúsculas, pois que em minha opi­nião, me parecia graficamente melhor.

Carlos Alberto experimentou fazê-la em maiúsculas e gostou, passan­do, a partir dai a assim assinar. A história se­guinte, "A Es­pada Nazare­na", foi o inicio da mudança que até hoje man­tém, no tipo, que não na ex­tensão.

Em relação aos anos em que co­laborou com a APR (friso cola­boração, porque o vinculo profis­sional nunca ultrapassou esse nível, embora os compro­missos fossem totais, a tempo inteiro) foi reduzida a obra em BD por si executa­da. A sua capacida­de artística foi utili­zada – tal como a de alguns outros – pelo comum das publica­ções que a APR edi­tava, desde histórias aos quadradinhos a capas para livros: ilustrações avulsas para textos; pagina­ções; pintura de ma­terial publicitário; cromos; inclusive em móveis, chegando, também, a pintar em suporte de vidro, bone­cos de Walt Disney. 

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O Louletano, 22 a 28 de Março 2005 

CARLOS ALBERTO E O MUNDO DA BD 
Esboços de memória – 6 
por José Batista 

Quando em 1972 abandonei a APR já Carlos Alberto há muito se dedicava à pintura, embora permanecesse na empresa por mais um ano praticamente ocupado na feitura de capas para as várias publicações e de cromos. Estes eram pintados a ecoline, um mate­rial extremamente exigente em termos de execução, pois não per­mitia sobreposição de tonalidades nem emendas. A história de Camões, em cromos, talvez desenhada no triplo do tamanho pu­blicado, já tinha sido editada meia dúzia de anos antes. C.A. ocupava agora o seu tempo com outra colecção, a de "Romeu e Julieta", a qual sairia no ano seguinte pouco antes dele próprio deixar a empresa. Não errarei se afirmar que, nessa época, a produção de Carlos Alberto a tinta da china – ilustrações a preto e branco – já seria quase nula.

Cedo me apercebi no convívio com C.A. que por detrás do ilus­trador de BD, uma outra área dessa unidade, que é a arte do desenho – a pintura – começava a emergir, consequência natural da experi­ência adquirida na execução, primeiro na BD, e depois, na utiliza­ção da cor na modelação dos volumes nos cromos e capas executa­das durante toda a década de sessenta.

Na área exclusi­va das vinhetas exe­cutadas a tinta da china, logo, a preto e branco, à quem considere tal como a E.T.Coelho acon­teceu, que C.A. é mais um ilustrador que um especialista em BD dada a fulgurância das ilustra­ções soltas (de am­bos), nas quais um determinado momento é exuberante­mente pormenoriza­do, enriquecendo a descrição desse es­pecífico momento. Na BD, dada a sua característica narra­tiva sequencial, as vinhetas são como que um fio de contí­nua acção, cortado à tesoura, na qual uma câmara atenta capta pormenores e ângulos despercebi­dos ao distraido lei­tor, e nos quais o movimento é ofere­cido em sugestivos planos que induzem os sentidos à parti­cipação na trama apresentada.

Creio que, salvo melhor análise, to­dos os desenhadores que "beberam" no catecismo que foi "O Mosquito" e, con­cretamente, toma­ram como modelo a figura tutelar desse jornal – ET Coelho – ficaram "reféns" da sua singularidade como extraordinário desenhador nas quais as suas BD's eram mais uma sequência de óptimas ilustrações que histórias aos quadradinhos no exacto sentido do termo, de forma alguma diminu­indo o artista.

Outra das possíveis razões que poderiam ter originado essa natural tendência talvez tenha sido a ausência de argumentistas disponíveis, induzindo os próprios ilustradores a serem os autores dos enredos e planificação das histórias que ilustravam. Por outro lado, e em relação à BD, todos os profissionais sabem quanto ela é exigente em termos de tempo, pesquisa, planeamento e execução, e não rentável economicamente (na altura), tendo mesmo um editor disponível, como era o caso.

Enquanto ilustrador de BD, Carlos Alberto ocupou, de pleno direito, posição destacada nessa área artística, distinguindo-se por um estilo depurado, belo e harmónico, simultaneamente expontâneo e vigoroso, digno de ombrear ao lado de grandes nomes da BD Mundial.

Poucos artistas iniciados na BD fizeram a passagem desta área para a da pintura com tanto êxito, como CA. Todavia, é ao Carlos Alberto, desenhador de BD, que rendemos homenagem pela sua obra publicada em Portugal.


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A FILHA DO REI DE NÁPOLES
Jorge Magalhães (arg.) - Carlos Alberto (des.)



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