terça-feira, 22 de janeiro de 2013

ANDRÉ OLIVEIRA ENTREVISTA NUNO DUARTE



ENTREVISTA COM NUNO DUARTE
ARGUMENTISTA DE "O BAILE" 

17 Janeiro 2013-01-22 

"O Baile" é o mais recente álbum de banda desenhada da autoria de Nuno Duarte, desta vez ilustrado pela muito jovem e talentosa Joana Afonso, com a chancela Kingpin Books. Tem sido um dos mais regulares e consistentes argumentistas nacionais ao longo dos anos, com obras como "Paris Morreu", "Quebra Queixo – Technorama" ou "A Fórmula da Felicidade" e deixa a quem acompanha o seu trabalho uma clara indicação que está para ficar e para subir a fasquia da BD portuguesa. 

Acerca de "O Baile" e não só, aqui fica uma breve entrevista com o autor... 


Zombies e Estado Novo… Como te ocorreu relacionares estas duas temáticas?

A ideia não partiu tanto de um relacionamento destes dois temas mas sim de um exame do que é que temos como fazendo parte do nosso “cancioneiro fantástico popular” e que podia ser usado como ponto de partida para uma história. Foi aí que me ocorreu a temática dos inúmeros mortos na faina, nas narrativas sombrias e no entanto tão presentes pelo litoral Português de Norte a Sul.

Há um conjunto de imagens fortes quando pensamos nos nossos pescadores, nas carpideiras, na tragédia destas gentes, mas…e se os mortos puxassem as redes de volta? Não seria este apenas mais um fado para juntar a todos os demais?

Encontrado o “quê” e “onde”, faltava-me o “quando?”. O secretismo e o clima de esquizofrenia, paranóia e repressão do Estado Novo surgiram então como a tela ideal para pintar esta narrativa, construído a partir daí as personagens e as situações.

  
Tiveste de fazer muita pesquisa para escrever “O Baile”? Quais foram as tuas referências?

O nascimento deste conceito deu-se entre a escrita de dois projectos para cinema e televisão, por coincidência baseados em histórias reais localizadas temporalmente no Estado Novo. A pesquisa foi assim recuperada do trabalho exaustivo que fiz para esses trabalhos, tendo no entanto dirigido mais atenção para a recolha de dados sobre referências de usos, costumes e etnografia das pequenas vilas piscatórias das décadas de 50 e 60, coleccionando sempre que possível imagens para guiar e inspirar a ilustradora do projecto.


Como foi trabalhar com a Joana Afonso? Foi muito diferente da dinâmica que tiveste com o Osvaldo Medina na “Fórmula da Felicidade”?

Trabalhar com a Joana foi acima de tudo um processo de colaboração e de maturação, já que ao longo dos meses em que se estendeu a escrita, “emperrada” aqui e ali pelos meus afazeres profissionais, não só o estilo, como a atitude e confiança dela me foram dando cada vez mais certezas na hora de escolher certas cenas e indicações, como gerando novas ideias para explorar o talento dela.


Como parti de um método “full script”, com pranchas todas planificadas e diálogos escritos, o processo foi por isso diferente do que usei com o Osvaldo na “Fórmula da Felicidade”, onde descrevia pranchas inteiras, compondo depois os diálogos à medida que a imensa experiência de “storyboarding” dele compunha em esboços as pranchas finais.

Pessoalmente não considero que haja um método mais correcto para escrever banda desenhada, já que o que há, isso sim, são maneiras mais específicas de colaborar com diferentes talentos, tentando corresponder às suas melhores qualidades e forças artísticas. 

A colaboração com a Joana é para repetir no futuro? Têm outro álbum apalavrado/pensado?

Na minha cabeça esta é uma história com espaço para respirar e com uma sequela evidente.

Tendo eu e a Joana expressado gosto por voltarmos a colaborar, acho importante que ela se imponha neste meio com projectos próprios que anseia por fazer (e nós por ler…), guardando para mais tarde uma outra colaboração.

O que é que mais gostas e o que menos gostas no panorama da BD nacional? Na tua opinião, qual o caminho a seguir? 

O panorama da BD nacional sempre esteve no fundo como o do país: tremido.

No entanto, diferentemente do que se passa na política ou economia do país, há um mar de gosto e talento a despontar pela BD portuguesa que parece impelir as produções nacionais a públicos cada vez mais abrangentes.

Muito importante para isso parece estar a ser o papel da reentrada de material infanto-juvenil nas bancas, para formar novos públicos, para além do uso das novas plataformas multimédia para a divulgação e edição de projectos que, de outra forma, não veriam a luz do dia.

Se considero que a relativa “guetização” em nichos fechados da BD das últimas décadas estava a matar o meio, vejo hoje como caminho a seguir a profusão de temas, edições e plataformas, algo que contribuirá não só para uma maior abrangência de leitores como de interesse por uma arte que é cada vez mais vista como isso mesmo.

Além disso, há a ideia feita de que os argumentistas nacionais são fracos e não conseguem cativar o público. Os considerados bons são sempre os mesmos 2 ou 3. Concordas com este cliché ou tens opinião diferente?

Considerados “bons” por quem e porquê? Uma série de prémios “nacionais” dados ao longo de anos por um júri desconhecido?

Cá só há dois tipos de argumentistas que têm “nome”: os que estão associados às poucas grandes editoras que vão surgindo e que vão publicando mais do que duas ou três centenas de livros por edição, ou aqueles que provêm e singram noutros meios e que arrastam outros públicos consigo.

Pessoalmente, seja cliché ou não, gosto de histórias e de quem despende tempo e atenção para as contar, alcançando fama ou não, mas dizendo algo verdadeiramente único, logo gostava que os argumentistas portugueses escrevessem mais e se queixassem menos.

Na tua opinião, quais as 3 melhores obras da BD portuguesa até à data? 

Inconstante como sou, provavelmente a resposta amanhã seria outra, mas hoje menciono três títulos: “As investigações de Filipe Seems” do Nuno Artur Silva e do António Jorge Gonçalves, “Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos” do Pedro Brito e do João Fazenda, e “Obrigada patrão” do Rui Lacas. 



Para finalizar, o que tens preparado para 2013 e para os anos seguintes?

Para 2013 e em primeira mão, está programada a edição de “F(r)icções”, uma adaptação para BD de vários contos meus pela arte do João Sequeira, a editar pela El Pep.

Posteriormente tenho no prelo um argumento de aventura e ficção com implicações espacio-temporais, pensado para o mercado estrangeiro; e de algo mais contido e pessoal, uma espécie de parábola sobre os fardos da passagem à idade adulta por uma série de adolescentes endeusados, estando ainda em busca dos artistas ideais para estes conceitos.

Entrevista publicada no blogue Ave Rara


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1 comentário:

  1. Em primeiro lugar, quero endereçar os meus Parabéns, através desta caixa de comentários, ao Nuno e à Joana pelo excelente trabalho recentemente publicado - "O Baile". Já tive a oportunidade de dizer, noutro local (também em caixa de comentários), que gostei do livro; e olhem que não sou pessoa de "dar graxa". E não me coibo de elogiar aquilo que gosto, mesmo sendo um autor do "ramo".
    Como o Nuno deixou em aberto a perspectiva de uma sequela, espero que ela se concretize, porque vale a pena.
    De resto, achei a entrevista bem proporcionada e esclarecedora, atendendo às questões postas ao entrevistado. Concordo que a "guetização" passada estava a matar a BD e estou com o Nuno no que toca à classificação e apreciação dos argumentistas nacionais.
    Realmente, há quem julgue o trabalho do argumentista menor, se comparado com o desenhador. Não é, de facto. Pode uma Banda Desenhada ter um excelente desenho; se tiver um mau argumento ou um argumento "coxo", faliu. É certo que o contrário também é evidente e leva ao mesmo resultado. No entanto, um bom argumento sustenta facilmente um traço medíocre ou um estilo menos conseguido.
    Também há quem suponha que qualquer bom narrador de histórias é afirmadamente um bom argumentista. Outro erro. Se não conseguir dominar a língua e a gramática, é caso de desastre.
    Felizmente, o Nuno Duarte prova que, para além de um bom domínio da arte de escrever, tem associada uma grande imaginação e domínio da arte de narrar em sequência, aproveitando as vinhetas como se fossem um ecrã de cinema.
    Bem andou o Jorge em trazer ao seu blog esta entrevista; caso contrário, não teria ensejo de a ler.

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