terça-feira, 30 de abril de 2013

BDpress #369: NEM SEXO NEM TABACO PARA A BD



NEM SEXO NEM TABACO PARA A BD

Jornal de Noticias, 16 Abril 2013 

Vários heróis perderam os cigarros e heroínas mais voluptuosas têm sido convenientemente tapadas. Pressão é sobretudo nos Estados Unidos. 

Pedro Cleto 

No número inicial da nova revista protagonizada por John Constantine, a DC Comics apagou da boca do herói o cigarro que ele costuma ostentar. Outro ataque do politicamente correto aos quadradinhos.

John Constantine, criado em 1985, por Alan Moore, na série “Monstro do pântano” (“Swamp thing”), é um mago exorcista que se tornou protagonista de “Hellblazer”, um dos principais títulos adultos da editora.

O cigarro acompanhou-o desde sempre, tendo mesmo sido causador de um cancro dos pulmões que o levou a estabelecer um pacto com o demónio num dos mais marcantes arcos da série.

Agora, o primeiro número da nova revista deveria ter na capa principal um desenho com Constantine a fumar encostado a uma lápide, observado de perto por zombies. No entanto, este passou para a capa alternativa, surgindo nos pontos de venda uma ilustração de onde o tradicional cigarro foi apagado, sem aviso prévio ao autor. 

John Constantine

John Constantine não é o único herói fumador dos quadradinhos. Acessórios normais em algumas épocas ou aceitáveis noutras, em que os malefícios do tabaco ainda não eram (re)conhecidos, o cigarro, o charuto ou o cachimbo surgem naturalmente nas mãos de Blueberry, Tex, capitão Haddock, Blacksad ou Blake e Mortimer. Em contrapartida, outros heróis foram obrigados a perder o vício, como Lucky Luke (para poder aceder aos EUA), Gaston Lagaffe, Zé Carioca ou Wolverine. 

Blueberry

 Tex

capitão Haddock

Blake e Mortimer

Lucky Luke

Wolverine

Blacksad 

Escapadela

Normalmente, estas questões politicamente corretas – ou censórias? - nos comics norte-americanos, durante anos regulamentadas pelo Comics Code Authority (ver caixa), estão mais relacionadas com o erotismo, geralmente muito contido. Frank Cho é um desenhador com um largo currículo nesta área, pois as heroínas sexy e pouco vestidas que desenha para a Marvel Comics têm sido tapadas de forma mais ou menos evidente.



 Frank Cho

 Frank Cho

Outro exemplo diz respeito à revista gratuita preparada por esta editora para o Free Comic Book Day de 2012, em que recuperou uma BD da saga “Age of Ultron”, mas “vestindo” a Mulher-Aranha, que na edição original aparecia nua após ter sido espancada por inimigos.

Por isso, não deixa de surpreender a história em que a Catwoman e o Batman se envolvem sexualmente publicada na revista “Catwoman” #1 e reproduzida em “A Sombra do Batman” # 1, atualmente à venda nos quiosques portugueses. 


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Dado que não foi possível reproduzir a "caixa" sobre o Comics Code, que Pedro Cleto introduziu neste artigo, transcrevemos abaixo a entrada, de Leonardo De Sá, no Dicionário Universal da Banda Desenhada:


Comics Code: Autocensura gerada pela maioria dos editores de comic books, inicialmente numa tentativa para evitar os ataques contra o género por parte de sociólogos, pedagogos, psicólogos e psiquiatras, num período de histeria total que culminou nos anos 1950 nas perseguições (“Caça às Bruxas”) aos comunistas e às acções julgadas como antiamericanas pelo senador Joseph McCarthy e seus seguidores. Para os comic books, as agressões mais marcantes foram desferidas através de artigos em revistas de grande divulgação e nos livros Love and Death: A Study in Censorship (1949), de Gershon Legman, e sobretudo Seduction of the Innocent (1954), de Fredric Wertham. Foi criado um especial Subcommittee to Investigate Juvenile Delinquency in the United States, liderado pelo Senador Estes Kefauver. Vários intervenientes na produção de comic books foram convocados e auscultados pelo subcomité, nos meses de Abril e Junho de 1954. Em Setembro, a própria indústria formou a Comics Magazine Association of America (CMAA), por forma a defender-se das acusações — o que já tinha aliás tentado fazer anteriormente, sem sucesso. Finalmente instituído a 26 de Outubro de 1954, o Comics Code foi ratificado por 26 editores norte-americanos com o objectivo de transformar os comic books em publicações “decentes” e “saudáveis”. Ou seja, as únicas excepções foram as da Dell (que representava aproximadamente um terço do mercado, nessa década, gozando de uma reputação impecável por apenas publicar revistas infantis, como as adaptações da Disney) e da Gilberton (que editava os insípidos Classics Illustrated), e inicialmente, também a EC Comics — que anunciou acabar com os seus comic books de horror e suspense dois dias antes da constituição oficial da CMAA. Não possuindo a CMAA poder legal para aplicar sanções efectivas, a não observância ao Comics Code apenas implica o facto da publicação aparecer sem a estampilha característica. Mas, a partir de 1954 e até na década seguinte, a falta do selo na capa representou inicialmente a recusa dos retalhistas em vender comic books desaprovados (que eram portanto devolvidos ao editor ainda embrulhados) e significou depois a re-jeição pura e simples das publicações incriminadas pelos próprios distribuidores. Desse modo, a CMAA e o Comics Code obrigaram muitas das pequenas casas a cessar produção, nomeadamente acabando com a maioria da linha EC Comics (amplificando um culto que ainda continua mais de meio século depois) e provocou a emasculação do conjunto das publicações sobreviventes. Os comic books só começaram lentamente a emergir desse marasmo depois da primeira desenfreada corrida do novo Flash, em 1956 — no início de um período que ficou conhecido como Silver Age —, seguido pelos Challengers of the Unknown em 1957 e pelo novo Green Lantern em 1959 (todos na revista Showcase, da DC Comics), e sobretudo a partir da criação dos Fantastic Four e de Spider-Man, respectivamente em 1961 e 1962, que assinalaram o surgimento da moderna Marvel Comics. O símbolo da aprovação da Comics Code Authority é um selo denteado impresso nas capas dos comic books principalmente a partir dos meses de Fevereiro e Março de 1955 (os primeiros incluíam o Archie's Joke Book nº 16 e o Archie's Mechanics nº 3, da Archie Publications e datados de Inverno de 1954, e o Mysterious Stories nº 2, de Dezembro-Janeiro de 1954-55, da Premier Magazines). Para escapar ao golpe da censura, apareceram — ainda nos anos 1950 — os primeiros magazines americanos com comics, com a metamorfose do Mad. Na década seguinte irromperam os underground comics, com novas propostas temáticas e distribuição própria, enquanto o Brasil realizava com algum atraso a transposição do Comics Code no seu Código de Ética. A partir de 1970, foram publicados alguns comic books com temáticas não aprovadas pelo Comics Code — iniciando o que convenciou chamar Bronze Age —, que acabou por sofrer uma modernização em 1971 e de novo em 1989. O referido selo foi portanto diminuindo em tamanho e importância com o passar dos anos. Com o desenvolvimento do Direct Market e das lojas especializadas na década de 1980, o Comics Code tornou-se praticamente irrelevante. Os novos editores que entretanto foram surgindo preferiram distanciar-se dessa censura, até porque grande parte da sua produção se destinava a adultos. Em 2001, a Marvel Comics retirou-se da Comics Code Authority e estabeleceu um sistema próprio de classificação para as suas revistas. Criou também novas linhas editoriais, incluindo uma destinada a adolescentes mais velhos (Marvel Knights) e outra a adultos (MAX). Também a DC Comics separou os seus “universos”, mantendo por enquanto uma parte que continua a obedecer às normas. O termo pre-Code refere os comic books até 1955, em especial os dos anos imediatamente anteriores e com histórias de crime, sadismo, terror e mistério — aliás, muito procurados pelos coleccionadores. 

Leonardo De Sá
in Dicionário Universal da Banda Desenhada 
Pedranocharco Publicações, Caldas da Rainha, 2010

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