sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A TERTÚLIA BD DE LISBOA SAI DO PARQUE MAYER AO FIM DE 28 ANOS


A TERTÚLIA BD DE LISBOA 
SAI DO PARQUE MAYER 
AO FIM DE 28 ANOS E MEIO

Ao fim de 28 anos e meio, a TBDL abandona o Parque Mayer e passa, já no seu 355º Encontro, na próxima terça-feira, dia 7, para a Casa do Alentejo (no antigo Palácio Alverca), na Rua das Portas de Santo Antão.

Recordemos que o primeiro Encontro da TBDL se realizou em 4 de Junho de 1985 no restaurante O Manel, passando mais tarde para o restaurante Chico Carreira e, em Setembro de 1996, para A Gina (antigo Júlio das Miombas), onde se realizou durante 17 anos e meio, sempre no Parque Mayer.

Diga-se, já agora, que sempre pensei que a Casa do Alentejo poderia ser associada à banda desenhada – tentei mesmo convencer Paulo Monteiro a fazer lá as apresentações do Festival de Beja, devido à centralidade da Casa do Alentejo, mas não tive sucesso. Isto porque o Alentejo tem nesta altura três eventos sobre BD, que mereciam ser apresentados naquela Casa, refiro-me não só ao Festival de Beja, como ao Salão de Moura e ao BD Odemira, uma concentração de eventos bedéfilos que não acontece em mais nenhuma região portuguesa e apresentando-os na capital, não seria o mesmo que fazê-lo nas diversas cidades alentejanas onde decorrem, em termos de cobertura mediática. Penso mesmo que a Casa do Alentejo pode vir a potenciar, para a TBDL algumas valências extras que A Gina não tinha capacidade para acolher... Logo veremos quais.

Em recente entrevista com Geraldes Lino, André Oliveira colocou-lhe, a dada altura a questão que apresentamos no excerto transcrito abaixo, com a correspondente resposta do entrevistado:

“(...) A.O. – Sobre a Tertúlia que criaste em 1985, da qual tu te arredaste em Junho de 2013. No que te inspiraste para criar aquele en­contro mensal?

G.L. – Por um lado, enquanto membro da direc­ção do CPBD [Clube Português de Banda Desenhada] considerava que as reuniões do clube não eram nada motivadoras. Nem para mim, nem para os muitos jovens que faziam parte do clube, que eu conseguia arregimen­tar graças ao meu contacto fácil com a juventude.

Alguns desses jovens, ao associarem-se eram convidados a fazer parte dos diversos corpos gerentes: Direcção, Assembleia Ge­ral e Conselho Fiscal. O problema é que mui­tos não apareciam nessas reuniões, tirando um ou outro mais participativo, e os encon­tros eram pouco produtivos porque facilmen­te se caía na crítica fácil quando era suposto que se apresentassem ideias e soluções.

Assim, um pouco à parte de toda essa bu­rocracia, primeiramente, o Luiz Beira e o Estrompa começaram a reunir-se, informal­mente, às quintas-feiras com outros membros no restaurante "Júlio das Miombas" (actual "Gina") no Par­que Mayer. Eu próprio frequentava esse en­contro, que ganhou mais tarde, depois do surgimento da minha tertúlia, o nome de Tertúlia Shock, derivado do fanzine que os dois auto­res tinham criado.

Foi a partir desses encontros informais que me surgiu a ideia de organizar algo parecido, mas com outras características. O encontro que idealizei teria como base um jantar men­sal e em todas as edições haveria um home­nageado ou um convidado especial. O objec­tivo era que se pudesse juntar num mesmo local, quer os autores consa­grados como os jovens artis­tas e seria sempre atribuído um diploma ao homenagea­do ou ao convidado.

E foi assim que nasceu a Tertúlia BD de Lisboa (...)”
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Digamos também que o restaurante A Gina, cuja proprietária (que já o era quando o restaurante ainda tinha o nome de Júlio das Miombas), Maria GeorGINA Lopes Alves Pinto, sempre tratou a Tertúlia com muito carinho e paciência, enquanto Geraldes Lino foi o seu organizador. Depois disso e devido a uma nova aposta, mais “turística”, no Verão de 2013 e com a entrada de novos sócios na exploração do restaurante, coincidente com a passagem de testemunho de Geraldes Lino para o quadrunvirato A.I.I.M. Lda., as coisas começaram a ficar complicadas para os tertulianos, que começaram a sentir-se n'A Gina como personae non gratae. Daí a opção por mudar o local da TBDL para outro restaurante, fora do Parque Mayer ao fim de 28 anos e meio - mudança com que concordo em absoluto...

Vejamos então alguns dados históricos (porque aquilo é um edifício histórico) com grande interesse, escritos por Guilherme Alves Coelho 

SOBRE O "PALÁCIO ALVERCA" – CASA DO ALENTEJO

Construído possivelmente nos finais do século XVII, o edifício onde hoje se encontra instalada a Casa do Alentejo sofreu profundas modificações no princípio do século XX.

Da sua história mais antiga pouco se sabe. Apenas que pertencia a uma família aristocrática – os Paes de Amaral (Viscondes de Alverca) – de quem adoptou o nome de Palácio Paes de Amaral ou Palácio Alverca, cuja propriedade vem até aos nossos dias.

Construído "extra-muros", contíguo às Portas de Santo Antão [que seriam no actual cruzamento entre a Rua das Portas de Sto. Antão com a Rua Jardim do Regedor – em frente da Casa do Alentejo], que faziam parte da "Cerca Fernandina" (1373), é das suas muralhas que se aproveita para as empenas Sul e Nascente.

As Muralhas Fernandinas - zona correspondente - numa antiga planta de Lisboa

Vista do Palácio Alverca, quando se vem do lado do Coliseu dos Recreios. Pode ver-se a antiga porta principal do edifício, no Beco (escadinhas) de S. Luís da Pena e a Igreja de S. Luís, à esquerda, com a fachada em cor-de-rosa.


Entrada da Casa do Alentejo, na Rua das Portas de Santo Antão

No sítio onde lança as fundações, existira antes, nos meados do séc. XV um curral de porcos. Depois, instalou-se aí um matadouro "onde se matava o gado vacum"; em seguida, uma fábrica de curtumes e, finalmente, seria o local onde se "depositavam animais de carga que fossem encontrados nas ruas". É deste "chão" que se irá apropriar, em 1919, o "Magestic Club", um dos primeiros casinos de Lisboa. O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo refere-se ao facto desta maneira: «Quem pensaria então, naquelas noites lilases ou azuis, com trajes rosa ou verdes, que ali, no mesmo sítio, também já tinham chafurdado porcos!».

Em tempos já mais recentes aí funcionou um liceu, talvez o primeiro de Lisboa e, na altura da sua adaptação a casino, nele se encontrava instalada "A Liquidadora", armazém de mobiliário e objectos de arte. Por motivos que desconhecemos, o "Magestic" adopta mais tarde o nome de "Monumental Club" que, já sem as suas luxuosas salas de jogo, se mantém até 1928.

Em 1932 é arrendado ao "Grémio Alentejano", posteriormente "Casa do Alentejo", que recentemente adquiriu o imóvel aos proprietários descendentes dos fundadores.

O projecto de alterações (ou "apropriações" no dizer do autor) dera entrada na Câmara em 1917, e trazia a assinatura do Arquitecto António Rodrigues da Silva Júnior, um dos mais prestigiados da época. A sua inauguração seria em 1919. Obra notável de qualidade e rapidez ainda para os nossos dias, esta adaptação foi um trabalho gigantesco. Ela mobiliza, sob a direcção do Arq. Silva Júnior, nada menos que três construtores, que se constituíram expressamente para o efeito em Sociedade Construtora, bem como dezenas de artistas e artesãos. Silva Júnior, obtidas todas as facilidades por parte da Direcção do "Club", faz-se rodear dos principais artistas da época, quer na pintura quer na azulejaria, como Júlio Silva, Benvindo Ceia, Domingos Costa, José Ferreira Bazalisa e o grande mestre do azulejo Jorge Colaço. Juntamente com mais de uma dezena de subempreiteiros dá início à obra.

É pelas fachadas que ainda podemos fazer uma ideia do que seria a primitiva construção, pois foram os elementos que sofreram menos alterações. Embora se desconheça qual a sua composição inicial, é natural que apenas se tenham produzido modificações nos 2 primeiros pisos – as actuais lojas do rés-do-chão, as sobrelojas e a entrada principal.

Na cornija da fachada principal, sobre a janela central, encontra-se ainda o brazão de armas esquartelado dos primeiros proprietários, Miguel Paes do Amaral e Menezes Quifel Barbarino: " /.../ "ao primeiro Paes; ao segundo Amaral; ao terceiro Almeida; ao quarto Barberini. "/.../" A antiga entrada seria pela Travessa de S. Luís que, passando sob o edifício, desembocaria num pátio ao ar livre, para onde dariam as cavalariças (actual "Pátio Árabe").

Provavelmente não haveria qualquer entrada na Rua das Portas de St.º Antão, pois que a actual foi construída em 1917, como entrada principal do Casino. Considerando o aparato dos seus interiores, ela é bastante discreta. Apesar disso, nela ainda esteve projectado um elevador, para evitar aos frequentadores do Casino a penosa escadaria que leva da entrada ao Pátio Árabe. Este projecto foi abandonado e optou-se por "uma escadaria de mármore, para a construção da qual foi preciso fazer um grande desaterro e demolir uma parede antiquíssima, de rija alvenaria com cinco metros de espessura. "Esta "parede" era obviamente parte da muralha Fernandina, possivelmente um dos cubelos das Portas de Santo Antão, que mediam 5x5 m.

Envolvendo o Palácio e servindo-lhe da empena Sul e Nascente, existem dois troços da Muralha Fernandina, ainda visíveis, possuindo o troço sul uma escadaria e respectiva passagem. No topo Norte do troço nascente, teria existido uma torre que possivelmente constitui uma parede da actual sala dos azulejos (séc. XVII e XVIII).

No ângulo formado pelos dois troços da Muralha ainda hoje existe uma cisterna de água. Entrando pela porta principal na Rua das Portas de Santo Antão, iniciemos a visita ao interior.

Ao cimo das escadas e transposta uma "porta árabe com vitrais, aberta por um criado irrepreensivelmente fardado, vêm-nos à mente as visões fantásticas das mil e uma noites e entra-se no pátio central, com tal profusão de elementos decorativos, que logo o classificamos no estilo árabe puro Hispânico".


Era assim que a "Arquitectura Portuguesa" no dia da inauguração descrevia o pátio que ainda hoje constitui uma surpresa para quem o visita pela primeira vez.

No local onde antes existiam arcos abatidos em pedra, apareciam agora arcos ogivais com caneluras em estuque, apoiados em colunas também elas em estuque armoreado ou escaiola, de tal perfeição, que só o olhar atento não confunde com o verdadeiro mármore.

Toda a restante decoração é em estuque e, na sua pintura, embora esbatida pelo tempo, ainda é possível em alguns pontos distinguir pelo menos sete diferentes tonalidades. O mobiliário usado neste Grande Hall, em harmonia perfeita com o ambiente, é em madeira e couro impresso e pintado. De referir aqui o cuidado, que aliás se repete pelos outros espaços, de modo que todo o mobiliário estivesse rigorosamente de acordo com a decoração.

No local onde teriam existido cavalariças ou dependências de apoio, surgem agora uma luxuosa "toilette de senhoras" no estilo "Luís XV" e uma barbearia e cabeleireiro (actual sala de leitura), com pinturas de José Ferreira Bazalisa. Ainda neste piso, onde se encontram hoje os serviços administrativos, existe uma série de pequenas salas, na época chamadas "privados", algumas das quais com decoração e mobiliário "art nouveau".

Para acesso ao piso superior, utilizando possivelmente uma escadaria já existente no Palácio, Silva Júnior, com grande imaginação, recria um ambiente de "deslumbrante efeito e rigorosa estilização oriental". Dispondo de um espaço exíguo, rompe totalmente uma parede exterior, suporta o amplo vão com duas grandes colunas de escaiola verde e projecta para cima de um pátio interior um largo patamar, no qual abre três grandes janelões com vitrais. Aí se expõe mobiliário no "estilo árabe" com incrustações de madrepérola. Nos lambrins, inscrições também em árabe e azulejos tipo corda-seca hispano-árabe.


O Hall do 2° andar constitui de novo uma surpresa. Abandona-se subitamente o "árabe" e passa-se a um neo-dórico nos capitéis das colunas e nas paredes, decoradas com medalhões representando cabeças femininas. É seu autor o pintor Júlio Silva.


Na época da inauguração existia neste hall uma peanha em escaiola com incrustações a bronze, da autoria do próprio Silva Júnior. À esquerda deste hall, passamos para o salão de maiores dimensões de toda a Casa: o Salão Restaurante ou "Luís XVI ".

É resultado de demolição de vários compartimentos e de uma escada de serviço, do interior do palácio. O engenho de Silva Júnior mais uma vez se evidencia, perante a necessidade de obter o efeito dos amplos janelões rocócó, não alterando os vãos das janelas exteriores. E isso consegue-o à custa de uma série de duplas portas envidraçadas que escondem as exteriores, intercalando com uma profusa distribuição de espelhos e motivos decorativos. No tecto, ao centro do salão, um grande fresco de Benvindo Ceia, que também assina toda a pintura decorativa do mesmo.

Num dos extremos e separando este salão da sala de jogo, encontra-se o palco, ladeado por figuras alegóricas, da autoria do escultor José Isidoro Neto. Este palco não tinha nesta data a posição que tem hoje, encontrando-se sobrelevado. Tem a particularidade de permitir a abertura para os dois salões. Uma tela de Júlio Silva ainda se mantém no pequeno hall de acesso ao bar, no lado da fachada principal.

Ultrapassando este palco, entramos então no "Salão de Jogos", menor que o anterior, decorado com motivos relacionados com o jogo, pois nele se situava o "coração" do casino: a roleta e os outros jogos clássicos. "Em estilo livre, uma neo-renascença (...) que procura emancipar-se de fórmulas, convenções e preceitos de outros tempos". Toda a pintura a óleo, incluindo o tecto que representa "A Fortuna", é da autoria de outro pintor da época, Domingos Costa.

As salas do lado direito do haIl constituem agora novo motivo de surpresa. Silva Júnior abandona os "estilos" com que procura acentuar a grandiosidade dos salões anteriores e opta pela austeridade dos "estilos medieval e gótico". Transposto um guarda-vento em nogueira, que a separava do haIl, passava-se a uma sala de leitura ou de espera, sobre cujos lambrins, também em nogueira, vemos um friso de azulejos da autoria de Jorge Colaço ilustrando cantos dos Lusíadas.

Contígua a esta sala e rasgando janelas para o "Pátio Árabe" existia então a "Sala de Bridge" e "outros jogos de vaza", também com azulejos do mesmo autor. Representando motivos da feira de Stª Eulália, é um painel notável, de inspiração naturalista. Sem dúvida um dos mais bem conseguidos do grande mestre do azulejo. Os candeeiros e restante mobiliário desta sala foram expressamente desenhados pelo Arq. Guilherme Rebelo de Andrade. Ao lado desta sala existe outra, decorada com azulejos dos sécs. XVII e XVIII, que terá sido um pequeno pátio descoberto até aos anos 40.

No hall contíguo à "Sala de Leitura", podemos ver azulejos "arte nova", com motivos de cartas de jogar, possível mente também da autoria de Jorge Colaço. Este hall dava acesso aos sanitários dos homens, à então "Sala de Bilhar" e ainda a outra saleta. Nesta "Sala de Bilhar", decorada em "estilo medieval", o mesmo autor retrata-nos agora cenas de caça, uma tourada, etc., em que utiliza a mesma técnica de impressão já usada nos anteriores painéis.

Guilherme Alves Coelho

Um sítio excelente para a realização da TBDL, portanto.

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Nota: Ontem não foi publicado o post do Às Quintas Falamos do CNBDI (27) devido a um apagão internético aqui na zona - fica para a próxima quinta-feira.

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4 comentários:

  1. Caro amigo Machado-Dias

    Felicito-te sinceramente pelo magnífico "post". Grato também pela reprodução da minha resposta à pergunta do André Oliveira acerca da origem da Tertúlia BD de Lisboa.

    Grande abraço, com votos da continuação do excelente nível deste teu blogue.
    GL

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  2. Gostei de ver o teu entusiasmo sobre a mudança para a Casa do Alentejo.
    Oxalá venha a corresponder às expectativas, e que as futuras Tertúlias sejam bem participadas.
    Abraço
    João Vidigal

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  3. Olá Machado Dias
    Gostei do entusiasmo com que abraçaste a deslocação da Tertúlia para a Casa do Alentejo.
    Oxalá corresponda às expectativas, e que o número de participantes seja cada vez maior.
    Abraço
    João Vidigal

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  4. Os meus parabéns pelo excelento texto e pesquisa!

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