sábado, 18 de janeiro de 2014

BDpress #400 – O “EUSÉBIO – PANTERA NEGRA” DE EUGÉNIO SILVA EM A BOLA


O “EUSÉBIO – PANTERA NEGRA” 
DE EUGÉNIO SILVA 
NO JORNAL "A BOLA "

Este post, além do propósito de continuar o que editámos AQUI – sobre EUSÉBIO NA BANDA DESENHADA – serve também de pretexto a uma pequena homenagem a Eugénio Silva, um autor muitas vezes imerecidamente esquecido na banda desenhada portuguesa.

A VERDADEIRA DIMENSÃO 
DE SUPER-HERÓI
Eugénio Silva fala sobre o seu livro

A Bola, 15 de Janeiro de 2014

'Pantera negra' na galeria das aventuras aos quadradinhos
Nem todos os melhores de entre os melhores se podem gabar do mesmo feito

Pedro Figueiredo

Tem sido tendência crescen­te dos últimos anos ver as aventuras dos super-he­róis das bandas desenhadas retratadas no cinema. Confere-lhes um grau de humani­dade que simplesmente não existe quando estão em ação, geralmen­te a salvar o mundo. Foi assim com o Super-Homem, primeiro, Batman, depois, Homem-Aranha, a seguir, e todas as demais figuras imortalizadas pela DC Comics ou pela Marvel.

Fazer o percurso inverso é que já não é normal, muito menos uma tendência. Só está ao alcance dos predestinados, dos eleitos não su­fragados, dos que mergulham na admiração popular das massas por direito próprio.

O lado humano dessas figuras, cujas aventuras da vida real passam à banda desenhada, nem sequer é questionado. Sabe-se que não vie­ram de um planeta distante ou sur­giram de uma qualquer metamor­fose científica envolvendo seres vivos com capacidades que os tor­nam extraordinários. Podem, muito bem, vir de uma pacata aldeia mo­çambica­na, de um bairro pobre de Buenos Aires ou do mais recôndito lugar de Minas Gerais, chamado Três Corações. Mais humanos não poderiam ser.

Eusébio não salvou o mundo, mas foi dos primeiro a ter a sua vida contada aos quadradinhos, muito antes de Maurício, o pai da Móni­ca, do Cebolinha e do Cascão, ter criado a Turma do Pelézinho (1976). Em 1967, o Pantera Negra mereceu, imagine-se, do outro lado do Atlântico, mais pro­priamente no México, o direito a figurar na galeria das Estrellas del Deporte com o livro El Gran Eusébio.

O QUE É UM PENALTY?

Eugénio Silva, um dos nomes grandes da ilustração nacional, ti­nha um estúdio em Santos-o-Velho, bem no centro de Lisboa, quan­do em 1989 lhe apareceu por lá um diretor artístico da desaparecida editora Meribérica-Liber. «Trabalho não se recusa, mas lembro-me que avi­sei logo: não percebo nada de fute­bol, nem gosto muito!», começou por dizer o autor do livro Eusébio, Pantera Negra, publicado em abril de 1990. «Ficou tudo acertado e encontrei-me muitas vezes com o Eusébio para conversar sobre a vida dele. No meu estúdio ou em casa dele. De uma humildade impressio­nante. Sem manias, apesar de tudo o que tinha alcançado.»

A ironia, no facto de Eugénio Silva não gostar nem perceber de futebol, levou-o a estudar mais do que seria de es­perar para a realização do livro. «Sempre fui muito meticuloso nas coisas. A primeira vinheta da obra é o centro de Lou­renço Marques. Já estava o livro quase pronto quando me recordaram que em Moçambique os car­ros circulam à esquerda, como os ingleses. Pormenores desses. Quando ia a casa do Eusébio para conver­sarmos, até o cão, o Tarik, já me conhecia. Pelo menos era o que a Dona Flora di­zia. No final, desenhei a fa­mília a inteira para outra vinheta. Havia um cão, mas não era igual ao Tarik. Eusébio disse-me que era uma pena que o cão do de­senho não fosse igual. Aca­bei por fazê-lo de novo, como Tarik. Gostavam muito dele.»

Seria difícil, para alguém como Eusébio, relatar a sua vida inteiramente dedicada ao futebol a alguém que não enten­dia a modalidade. «Tinha uma pa­ciência infinita para mim. Uma vez disse-me que já era a terceira vez que me explicava o que era um penalty. Até me explicou o que era um frango

É PRETO, COMO EU!

Eusébio cedeu uma gaveta in­teira cheia de fotografias da sua car­reira. Eugénio Silva digitalizou tudo e continuou com as conversas de memória fotográfica que ajudaram a construir a história. «Às vezes vi­nha de fato de treino. Era de uma simplicidade e uma simpatia incrí­vel. Quando viu as provas, olhou para o cauteleiro só com um braço que chegou a ser seu treinador, riu-se e disse-me: 'Ó Eugénio, o Ti Chico não é branco. É pre­to, assim como eu!'»

Detalhes que valorizam a obra. A luta pelo pormenor. «Fui uma vez com uns amigos ao futebol, na CUF. Passei mais tempo do jogo a ver a reação das pessoas do que pro­priamente o que se passava dentro do campo», conta. Chegou a fazer pesquisa na redação de A BOLA para estudar centenas de jogos disputa­dos pelo craque do Benfica e da Seleção Nacional. «E percebi, pelas páginas do vosso jornal, que o Real Madrid, em maio de 1962 [final da Taça dos Campeões], jogou de azul porque o equipamento branco ofus­cava na transmissão televisiva.» Aliás, Eugénio contactou o Real Ma­drid, o Barcelona, o Torino e alguns outros clubes para se rodear do máximo de informação possível. «Lembro-me também que foi mui­to difícil arranjar o símbolo do Es­trela Vermelha de Belgrado. Nem a FPF o tinha.»

RIJO. SEM COXEAR

Dar um ar de super-herói a Eu­sébio não foi difícil. Momentos de exaltação, clubística e nacional, não faltavam. Estão todos no livro. Dos tempos de Mafalala aos Es­tados Unidos e terminando em Lisboa, com a sétima operação ao sacrifica­do joelho esquerdo. «Mesmo assim, era rijo. Não me recordo de o ver co­xear. Em 1990, já com a carreira futebolística do pantera negra completa, Eugénio cedo percebeu a dimensão planetária do seu ob­jeto de trabalho. «No dia do lan­çamento da obra até um jornalis­ta da União Soviética veio!» Por essa razão, Eugénio Silva, tam­bém autor dos textos que acompa­nham as ilustrações, termina a obra assim: «Em boa verdade, Eu­sébio, o pantera negra, um enor­me valor e uma extrema humilda­de, continua além de símbolo de um clube, de um país, de um des­porto, a imagem viva da simpa­tia... até entre a nova geração.» Faltou o plural: gerações.

Lisboa com esconderijo em Lagos e A BOLA na chegada à Portela.
Do fato novo para a viagem ao choro por deixar pela primeira vez Moçambique.

Eugénio Silva confessou que Eu­sébio era uma pessoa que se como­via com facilidade. Um dos episó­dios retratados na obra é a sua chegada a Lisboa, depois de ter comprado um fato novo para dei­xar pela primeira vez Moçambique. A BOLA promoveu, a 15 de dezem­bro de 2010, um jantar entre o pan­tera negra e Cruz dos Santos, o jornalista de A BOLA que estava na chegada à Portela, para celebrar os cinquenta anos da data.

Na altura, Eusébio apenas recor­dou que tinha muito frio, sentindo as diferenças de temperatura entre Lourenço Marques no solstício de verão e Lisboa no de inverno. Eu­génio Silva recorda: «Não me pediu para desenhar nenhum momento especial da vida, mas achei que esse era um marco. Até porque o desen­rolar da história é curiosa. Outra das pessoas que lá estava presente era Domingos Claudino, o encarre­gado de campo do Benfica que nunca deixou de o acompanhar para todo o lado e foi um dos seus me­lhores amigos. Com receio que o Sporting ainda fizesse valer algum direito, foi precisamente o Claudi­no que o levou para fora de Lisboa. Estiveram 12 dias em Lagos, escon­didos, até ter tudo realmente acer­tado e não haver volta a dar.»

Episódios contados em 52 pági­nas [de BD] e que levaram mais de um ano a construir.

A POLÉMICA NOS EUA POR SER “PANTERA NEGRA”

Eusébio teve que explicar que a alcunha não tinha conotações políticas...

Apesar de ter começado a carreira no Sporting de Lourenço Marques, era no Desportivo que Eusébio gostaria de ter jogado. Até ao dia em que o tio o levou a ver o Benfica, que jogou na inauguração do estádio do Desportivo. Ficou de tal forma encantado que foram as águias da Luz que passaram a fazer parte do imaginário do jovem Eusébio, como se pode ver na vinheta ilustrada em cima. No entanto, este não é o único pormenor curioso da vida do pantera negra que Eugénio Silva retratou. Em 1977, na sua segunda passagem pelo futebol norte-americano - a primeira foi no Rhode Island Oceaneers e no Boston Minutemen -, pelo Las Vegas Quicksilver, surgiu a controvérsia da sua alcunha ser pantera negra. Isto porque em meados da década de 1960 foi criado um movimento em Oakland, na Califórnia, denominado Black Panther Party, com o propósito de proteger os bairros negros da brutalidade policial, desenvolvendo-se depois para ações de extrema-esquerda de contra-cultura ensombradas pelo radicalismo de alguns membros, pela confrontação com a polícia, recorrendo a táticas de violência. Eusébio, porque não quis ser associado a tais movimentos, fez questão de explicar nos Estados Unidos que o facto de ser pantera negra nada tinha a ver com os Black Panthers, até porque já o era antes mesmo do movimento surgir. Uma passagem que também está retratada no livro Eusébio - Pantera Negra com uma figura toda vestida de cabedal e de óculos escuros, uma vez que essa era a indumentária mais usada por quem pertencia e partilhava da ideologia dos Black Panthers. Eusébio deixou os Estados Unidos depois de jogar nos New Jersey Americans.

ALGUMAS PÁGINAS DE EUSÉBIO - PANTERA NEGRA


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OUTROS LIVROS DE EUGÉNIO SILVA

Autógrafo de Eugénio Silva para Geraldes Lino

Eugénio Silva

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1 comentário:

  1. Justíssima esta homenagem ao meu amigo Eugénio Silva, bom aguarelista e grande autor de Banda Desenhada. Curiosamente fui o primeiro a ser contactado pela «Meribérica Editora» para fazer a vida de Eusébio. Mas como não percebo de futebol, e para realizar o trabalho teria de aprender tudo sobre esse desporto (Rei) e a editora ter urgência na entrega, falei com o Eugénio Silva, que se disponibilizou. Ao fazer a sua apresentação na editora, o Orlando Campos, nessa altura o braço direito do Telmo Protásio, descobriu terem os dois sido vizinhos na infância. Criou-se aí uma empatia que levou mais tarde à ligação mais íntima que o Eugénio teve com a «Meribérica Editora». Esta história em BD do famoso jogador de futebol é um dos marcos a destacar no percurso artístico do Eugénio Silva, como autor desta Arte. Parabéns. E obrigado ao Kuentro por dar destaque e visibilidade a esta homenagem do jornal A Bola.
    Abraço
    José Ruy

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