segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

JOBAT NO LOULETANO (146-147) MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA Por José Batista – NA PISTA DE UM SONHO – AUGUSTO TRIGO (8 E 9)


JOBAT NO LOULETANO (146-147) 
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA
Por José Batista

O Louletano, 11 | Agosto | 2008

NA PISTA DE UM SONHO – AUGUSTO TRIGO – 8
Por José Batista

Comentando há dias com Jorge Magalhães – velho amigo, argumentista e profundo conhecedor da BD, seus autores e história –, a forçada hibernação de 19 anos de Augusto Trigo em terras da Guiné, concluímos que se o mesmo nesse período tivesse ficado no continente, quantas obras do seu génio criativo não enriqueceriam as páginas das muitas publicações infantis e juvenis ilustradas que nessa época ainda se publicavam em Portugal. Se atentarmos para a qualidade das ilustrações de costumes locais dessa província, que o era na altura, e também de algumas séries inacabadas que têm acompanhado este relato biográfico, reconheceremos no equilíbrio da forma e no seu traço seguro o potencial artista que anos depois surpreenderia positivamente os cultores da 9a arte, e ombrearia inclusive com os grandes nomes desse género no Portugal de então: E. T. Coelho, Vítor Péon, Fernando Bento, José Ruy, José Garcez, António Barata, Carlos Alberto, José M. Soares, José Antunes, Júlio Gil, Artur Correia e outros que será ocioso enunciar, isto para só falar dos ilustradores, que boas ilustradoras também as havia.

Foi através da rádio que os guineenses ficaram a saber, no próprio dia, da eclosão do movimento revolucionário que poria fim a quase meio século do regime opressivo que controlou Por­tugal. Uma surpresa expectante varreu os pontos nevrálgicos da província, não fazendo esquecer o abortado golpe ocorrido a meio do mês anterior na metrópole, o qual alertou o país para o incómodo que lavrava no seio das Forças Armadas, nos vários palcos de operações militares em que actuavam. Aclarada a situação no continente, no próprio dia 25, com a leitura dos objectivos que motivaram a acção libertadora do Movimento das Forças Armadas, cedo se constatou que a indesejada Guer­ra Colonial, que há anos se travava contra os movimen­tos armados independen­tistas tinha os seus dias contados.

Conclu­ídas as ne­gociações visando pôr termo ao confli­to armado que então decorria, a vida nessa província aquie­tou-se e voltou à normalidade, não sem que alguns elementos oposicionistas guineenses, quedos e mudos até então, se quisessem posicionar, tal como aqui na metrópole, mais revolucionários do que os que até aí tinham arriscado a sua vida e bem-estar na defesa dos ideais de liberdade, justiça e paz para todos os portugueses onde quer que vivessem.

Nessa altura, só alguns energúmenos incomodaram Augusto Trigo, mas sem consequências de maior. »»

Ilustração de Augusto Trigo feita na Guiné, em 1974, retratando uma cena local.

Ilustração feita em 1964, do livro dedicado aos colegas da Repartição dos Serviços de Agrimensura da Guiné, nunca editado e da colecção pessoal de A. Trigo, retratando o chefe dos Serviços Manuel da Cunha Ramalho.

Vinhetas da série humorística inédita e inaca­bada, " A Vaca Sagrada de Mulei Molusco", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

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O Louletano, 1 8 | Agosto | 2008

NA PISTA DE UM SONHO – AUGUSTO TRIGO – 9
Por José Batista

Embora a Guiné proclamasse unilateralmente a sua independência em pleno consulado de Marcelo Caetano, a 24 de Setembro de 1973, só a 9 de Setembro do ano seguinte acederia ao efectivo reconhecimento da sua plena soberania por parte de Portugal, pese embora as Nações Unidas já a tivessem reconhecido em Dezembro de 1973. Tal só foi possível, pacificamente, seis meses após a Democracia ter sido restituída ao povo português pelo Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974. A cerimónia do arrear da Bandeira Portuguesa seguida do hastear da Guineense em 9 de Setembro de 1974, marcou o fim do domínio Português nesse território e o início da Guiné como país livre e independente.


A Repartição de Turismo, local onde Augusto Trigo laborava, passou a chamar-se a partir daí Comissariado de Turismo, fruto da influência marxista que permeava nessa altura o movimento político que lutou pela independência desse território ultramarino. Reconhecida a capacidade artística do ilustrador guineense pelas aulas que ministrou na então Escola Preparatória Marechal Carmona, o director da Educação após a independência, Dr. Fadul, convidou-o para leccionar a disciplina de desenho no anterior Liceu Honório Barreto, porém agora rebaptizado como Liceu Salvador Allende. Mudam-se os tempos...

Fruto do fervor patriótico – quase diria insolação – pela recém adquirida autonomia, alguns elementos do PAIGC fo­ram protagonistas de caricatas, se não rocambolescas situações. Possuidor de uma extensa parede, o dono de um restaurante pediu a Augusto Trigo que nela pintasse um painel com mo­tivos guineenses. Por um lado, dava um toque artístico à casa, por outro, atestava o seu apoio à independência e aos novos governantes do país. Dado o comprimento do espaço disponível para pintar, 7x2m, A. Trigo inseriu na pintura uma cena onde três jovens se banhavam tal como na vida real o fazia,.em pelo! Só que a pudicícia ofendida de um casto defensor do novo regime achou que a cena retratada dava uma falsa imagem dos costumes na Guiné, e, de pistola-metralhadora em punho, exigiu que essa zona do painel fosse retirada, ou então que o pintor "vestisse" calcinhas às meninas! O artista negou-se a fazê-lo, e o dono do restaurante, forçado pela obstinação do ofendido militar, retirou essa zona do painel, pois o mesmo tinha sido pintado em painéis amovíveis, e não directamente na parede. Porém, o assunto não ficaria assim.

Conhecendo Lucete Cabral, a esposa do Presidente Luís Cabral, Augusto Trigo telefonou-lhe relatando o absurdo da situação criada. Esta transmitiu ao marido a ridícula postura "cultural" do militar envolvido, fazendo notar que se assim agissem no mundo civilizado grande parte das pinacotecas estaria às moscas!

Escusado será dizer que essa zona do painel foi rapidamente reposta no seu lugar, o mesmo talvez acontecendo ao exagerado defensor dos "bons" costumes da pátria guineense. »»

Ilustração de Augusto Trigo feita na Guiné em 1974. Retrata uma feira onde expõem e vendem o artesanato local, muito abundante nesse país.

Vinhetas da série humorística inédita e inaca­bada, "A Vaca Sagrada de Mulei Molusco", ilustrada por Augusto Trigo na Guiné, em 1965.

CAROS LEITORES
Como nos anos anteriores, o jornal não se publicará nas duas próximas semanas. Deseja­mos umas boas férias aos nossos leitores.
Jobat
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